ACADEMIA ASSUENSE DE LETRAS
Tradição Cultural
Fundada em 23 de Janeiro de 2015
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Francisco de Assis Medeiros
Cadeira número 03
Patrono: Francisco Augusto Caldas de Amorim (Chisquito)
Malditos Poetas
Na primeira fase de suas vidas os poetas quase sempre conhecem a maldição. Os editores os odeiam porque eles tiveram a ousadia imperdoável de propor-lhes obras invendáveis. Os leitores os desconhecem. Os críticos os desprezam, mesmo quando os ignoram. (Lêdo Ivo)
A partir de então publicarei sonetos, que para muitos está fora de moda, para outros, o eterno charme da poesia. Esses sonetos são parte do livro inédito: “Sonata Quase Sonetos”, Sonata porque uso mais o ritmo do que a rima, soneto mesmo sem rima pela sua formação clássica universal , dois quartetos e dois tercetos.
Antônio de Maria Amélia
O Negro Antônio de Maria Amélia
Era vistoso, alegre, faceiro, garboso, invocado
Interpretava para fazer graça em tertúlia
“Você vai me matar de ri” Fazendo cocegas de lado.
E todos riam a valer de suas palhaçadas
Era amigo, era bonachão um cão de valente
Ninguém apanhava só, ele estando presente
Tomava partido sempre a parte mais fraca.
Antônio de Maria Amélia era destemido
Amigo do amigo e do amigo se fazia inimigo
Desde que o outro lado não estivesse dando cabo.
Jamais imaginei que ele acolheria
Um jovem saldável, cheio de alegria
Cometer o pecado de Judas, “Morrer Enforcado”
A Solidão do Mussum
Seca o açude e todo peixe morre
A umidade some, só torrão rachado
O Mussum afunda, cada vez mais se enterra
A proporção que o solo seca e some o aguado.
A solidão do animal na imensidão profunda
Num torpor total hiberna o serpentiforme
Espera a chuva e quando a chuva abunda
Desperta para a vida, acorda não mais dorme.
Que bela natureza do Mussum nordestino
Que morre na seca e ressuscita no inverno
Cumprindo todo ano seco, seu atroz destino.
Mesmo sofrendo solidão tamanha
Maior castigo porque passa o tejo
Quem dera emergir do fosso ou da lama.
Rouxinol
Como era alegre o casal de Rouxinol
Cantavam tanto, como se casal não fossem
Era um timbre alegre, um dobrado doce
O arrebol, o meio dia, até o por do sol.
Alimentar os filhos era festa, era fetiche, era devino
Cantar, brincar pular, era um gracejo só
O mundo era alegria, movimentos, pios, sons
Nada a ferir o natural, o seu destino.
Triste tragédia no reino animal
Um rato larápio atacou o seu ninho
Um gato voraz desfez o casal.
Não suportando o pesar, a dor, a solidão
Morreu triste calado, a noite sozinho
Impotente sem filho, sem par, sem razão.
Tempo da colheita
Quando caminhares pisando miudinho
Como quem pisa palha e agua na esterqueira
Podes rezar, estareis no fim da linha
Nada mais serás a vida agora e só canseira.
Quando papa for seu alimento impositivo
Não mais dentes para mastigar tiveres
Borrarás as calças todo santo dia findo
Por companhia, a solidão, lágrimas e quimeras.
Então lembraras o que na vida fostes, nada
Perverso , egoísta ,maledicente ,ingrato
Nada de puro, de grandeza, de exemplo “nada”.
Não terás mais tempo de chorar e ai
Teu passado negro ,tua vida nefasta
Te corrói ,castiga ,te faz imergir.
O pecado de Davi
O rei Davi no fim dos seus oitenta anos
Nada mais fez o seu corpo se aquecer
Ninguém foi capaz de animar seu ânimo
Nem Abisague no seu resplandecer.
O velho rei acabrunhado e triste chora
A jovem virgem se esforça sem sucesso
Cada vez mais pensativo ele se torna
O filho de Jessé e castigado pelo pai eterno.
Amnon com sua irmã Tamá cometeu incesto
Absalão matou Amnon e quis tomar seu reino
Adonias: Salomão executou cumprindo seu destino.
O senhor que tanto amou Davi e foi por ele amado
Castigou-o duramente, mas seu maior pecado;
Não mais coabitar, não poder comer, não fazer mais sexo.
Suplício
“Homem de Pouca Fé”
Sem ânimo, sem vontade, espero a morte
Que importa esperar, ela está vindo
Que espere ou não espere é nossa sorte
É do ser vivo a certeza, é o destino.
Eu não queria tanta tristeza ao fim da vida
Melhor seria se eu fosse... assim de repente
Não cansaria, não me cansaria desta lida
E ninguém me olharia piedosamente.
Mas não é como agente pensa, não é como se quer
Cada dia mais definho, cada vez mais fraco
Quanto mais rezo, quanto mais oro, mais longe o crer.
Não quero com a aproximação da morte ser um Tomé
Eu, que em toda minha vida acreditei, fui franco
Que me leve a morte, que eu deixe a vida, mas não me tire a fé.
A primeira calça comprida
O paletó de tropical, papai não mais usava.
Era da cor marrom das vestes de Francisco
Mamãe com maestria, me fez uma comprida calças
Linda, engomada, para eu ir para o circo.
A calça comprida me fascinou de um jeito
Me encantou de tal maneira, do circo nada vi
Minha primeira calça comprida, linda, sem defeito
Nem mesmo do palhaço eu gracejei, sorri.
Meu pai me elogiou; “Já está um homenzinho”
Mamãe beijou-me a face às pernas me alisando
A calça me fez homem, não mais um maluquinho.
Ainda hoje lembro a primeira calça comprida
O tecido velho cipoindo de cor amarronzada
Mais que deixou-me à sensação de uma nova vida se abrindo.
Coices no ar para disfarçar
Ela era arredia , bruta e malcriada
Nos seus doze anos, estava apaixonada
Mas para disfarçar, assim se comportava
Se mostrando do que sentia, o contrario.
Era seu comportamento com o filho do patrão
Eu, disfarçadamente prestando atenção
Ele, querendo lhe encabular com cara de safado
A deixando mais casmurra e mais irritada.
Ele, cara de menino, já era casado
Com certeza muitos beijos dela tinha roubado
Ela sofria mas ansiava, esperava outros momentos.
E momentos outros, eles encontrariam
E de se buscarem, se amarem, continuariam
Ela engravida. O encanto se apaga, começa os tormentos.
Farofa de sebo
Pesado inverno em sessenta e seis
Trovões de fazer medo, relâmpagos encandeavam
Um raio no curral matou quatro rezes
Gordas as ovelhas, de banha emboloavam.
Restou o sebo das ovelhas lá pra casa
Um lagartixão fez festa, engordou cada vez mais
Quarava o sebo, num giral do nosso lar de taipa
Sebo de carneiro pra muitos males é bom demais.
Na pobre casa um tempo faltou alimento
Chorava sem consolo a meninada, era um tormento
Mamãe farofa de sebo teve que improvisar.
A pobre mãe só tinha em casa um pouco de farinha
Mistura num caco torra e diz pras criancinhas
Coma quente pra no céu da boca não grudar.
Metabiótico
Seu olhar de mel, me dourou de ouro
Seu sorriso negro vitiligou-me a pele
Dourado, transformado, branco, louro
Lindo te amei, sem timidez, sem vitupério.
Nosso trato de amor, foi sinalagmático
Porém tornaste-o egoisticamente leonino
Me transformando num mutante ser apático
Levou meu querer, desfez minha vida, traçou meu destino.
Eu que era um anjo de inocência
Nos verdes anos de minha mocidade
Só pra ti vivi. Sou seu capacho, tenho carência.
Mesmo sofrendo tanto desatino
Não cometi quase nenhuma atrocidade
Sou de mim mesmo, pedinte e peregrino.
A primeira bicicleta
Trabalhei anos, adentrando pela madrugada
Só para comprar a sonhada bicicleta
Vendia cuscuz no leite de côco mergulhado
Tendo que pagar se “boiar”, o resto.
Comprei uma porquinha para engordar
Chegando em casa, eu cansado ela mais ainda
Matei o animal logo a lhe banhar
Foi-se meu cabedal, o suor da minha lida.
Persistir, resistir, lutei, fui em frente
Tinha uma gama de amigos para umas voltas
Cada dia crescia mais e mais essa corrente.
Enfim, ei-la sem pintura, Paralamas, rodas empenadas
Porém era a atração da pobre Rua Torta
Alegria dos meninos dás vielas sem calçadas.
Não tome caldo puro, o Diabo ri
Não tome caldo puro, o Diabo ri
- Porque o Diabo ri se eu tomar caldo puro?
É como eu disse e tá bom. Um pio só não quero ouvir
Escute sua mãe e nunca estareis em apuro.
Já adulto um dia eu vim a entender
O Diabo ri da pobreza do caldo
Com a mistura a água engrossa e vem enriquecer
Não estará mais fraco mesmo que só com farinha misturado.
Quanto mais água mais fraco o principal
E em nossa miserabilidade era o caldo capital
O principal era tão pouco, era acessório.
Eu que gostava de farinha somente escaldada
Minha sábia mãe em sua santa cavalgada,
Me fazia comer mesmo sem gostar, e o Diabo não ri.