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Francisco de Assis Medeiros

Cadeira número 03
Patrono: Francisco Augusto Caldas de Amorim (Chisquito)
Malditos Poetas

Na primeira fase de suas vidas os poetas quase sempre conhecem a maldição. Os editores os odeiam porque eles tiveram a ousadia imperdoável de propor-lhes obras invendáveis. Os leitores os desconhecem. Os críticos os desprezam, mesmo quando os ignoram. (Lêdo Ivo)

A partir de então publicarei sonetos, que para muitos está fora de moda, para outros, o eterno charme da poesia. Esses sonetos são parte do livro inédito: “Sonata Quase Sonetos”, Sonata porque uso mais o ritmo do que a rima, soneto mesmo sem rima pela sua formação clássica universal , dois quartetos e dois tercetos.

 

 

Antônio de Maria Amélia

 

O Negro Antônio de Maria Amélia

Era vistoso, alegre, faceiro, garboso, invocado

Interpretava para fazer graça em tertúlia

“Você vai me matar de ri” Fazendo cocegas de lado.

 

E todos riam a valer de suas palhaçadas

Era amigo, era bonachão um cão de valente

Ninguém apanhava só, ele estando presente

Tomava partido sempre a parte mais fraca.

 

Antônio de Maria Amélia era destemido

Amigo do amigo e do amigo se fazia inimigo

Desde que o outro lado não estivesse dando cabo.

 

Jamais imaginei que ele acolheria

Um jovem saldável, cheio de alegria

Cometer o pecado de Judas, “Morrer Enforcado”

 

 

A Solidão do Mussum

 

Seca o açude e todo peixe morre

A umidade some, só torrão rachado

O Mussum afunda, cada vez mais se enterra

A proporção que o solo seca e some o aguado.

 

A solidão do animal na imensidão profunda

Num torpor total hiberna o serpentiforme

Espera a chuva e quando a chuva abunda

Desperta para a vida, acorda não mais dorme.

 

Que bela natureza do Mussum nordestino

Que morre na seca e ressuscita no inverno

Cumprindo todo ano seco, seu atroz destino.

 

Mesmo sofrendo solidão tamanha

Maior castigo porque passa o tejo

Quem dera emergir do fosso ou da lama.

 

 

Rouxinol

 

Como era alegre o casal de Rouxinol

Cantavam tanto, como se casal não fossem

Era um timbre alegre, um dobrado doce

O arrebol, o meio dia, até o por do sol.

 

Alimentar os filhos era festa, era fetiche, era devino

Cantar, brincar pular, era um gracejo só

O mundo era alegria, movimentos, pios, sons

Nada a ferir o natural, o seu destino.

 

Triste tragédia no reino animal

Um rato larápio atacou o seu ninho

Um gato voraz desfez o casal.

 

Não suportando o pesar, a dor, a solidão

Morreu triste calado, a noite sozinho

Impotente sem filho, sem par, sem razão.

 

 

Tempo da colheita

 

Quando caminhares pisando miudinho

Como quem pisa palha e agua na esterqueira

Podes rezar, estareis no fim da linha

Nada mais serás a vida agora e só canseira.

 

Quando papa for seu alimento impositivo

Não mais dentes para mastigar tiveres

Borrarás as calças todo santo dia findo

Por companhia, a solidão, lágrimas e quimeras.

 

Então lembraras o que na vida fostes, nada

Perverso , egoísta ,maledicente ,ingrato

Nada de puro, de grandeza, de exemplo “nada”.

 

Não terás mais tempo de chorar e ai

Teu passado negro ,tua vida nefasta

Te corrói ,castiga ,te faz imergir.

 

 

O pecado de Davi

 

O rei Davi no fim dos seus oitenta anos

Nada mais fez o seu corpo se aquecer

Ninguém foi capaz de animar seu ânimo

Nem Abisague no seu resplandecer.

 

O velho rei acabrunhado e triste chora

A jovem virgem se esforça sem sucesso

Cada vez mais pensativo ele se torna

O filho de Jessé e castigado pelo pai eterno.

 

Amnon com sua irmã Tamá cometeu incesto

Absalão matou Amnon e quis tomar seu reino

Adonias: Salomão executou cumprindo seu destino.

 

O senhor que tanto amou Davi e foi por ele amado

Castigou-o duramente, mas seu maior pecado;

Não mais coabitar, não poder comer, não fazer mais sexo.   

 

Suplício

“Homem de Pouca Fé”

 

Sem ânimo, sem vontade, espero a morte

Que importa esperar, ela está vindo

Que espere ou não espere é nossa sorte

É do ser vivo a certeza, é o destino.

 

Eu não queria tanta tristeza ao fim da vida

Melhor seria se eu fosse... assim de repente

Não cansaria, não me cansaria desta lida

E ninguém me olharia piedosamente.

 

Mas não é como agente pensa, não é como se quer

Cada dia mais definho, cada vez mais fraco

Quanto mais rezo, quanto mais oro, mais longe o crer.

 

Não quero com a aproximação da morte ser um Tomé

Eu, que em toda minha vida acreditei, fui franco

Que me leve a morte, que eu deixe a vida, mas não me tire a fé.

A primeira calça comprida

 

O paletó de tropical, papai não mais usava.

Era da cor marrom das vestes de Francisco

Mamãe com maestria, me fez uma comprida calças

Linda, engomada, para eu ir para o circo.

 

A calça comprida me fascinou de um jeito

Me encantou de tal maneira, do circo nada vi

Minha primeira calça comprida, linda, sem defeito

Nem mesmo do palhaço eu gracejei, sorri.

 

Meu pai me elogiou; “Já está um homenzinho”

Mamãe beijou-me a face às pernas me alisando

A calça me fez homem, não mais um maluquinho.

 

Ainda hoje lembro a primeira calça comprida

O tecido velho cipoindo de cor amarronzada

Mais que deixou-me à sensação de uma nova vida se abrindo.

 

 

Coices no ar para disfarçar

 

Ela era  arredia , bruta e malcriada

Nos seus doze anos, estava apaixonada

Mas para disfarçar, assim se comportava

Se mostrando do que sentia, o contrario.

 

Era seu comportamento com o filho do patrão

Eu, disfarçadamente prestando atenção

Ele, querendo lhe encabular com cara de safado

A deixando mais casmurra e mais irritada.

 

Ele, cara de menino, já era casado

Com certeza muitos beijos dela tinha roubado

Ela sofria mas ansiava, esperava outros momentos.

 

E momentos outros, eles encontrariam

E de se buscarem, se amarem, continuariam

Ela engravida. O encanto se apaga, começa os tormentos.

 

 

Farofa de sebo

 

Pesado inverno em sessenta e seis

Trovões de fazer medo, relâmpagos encandeavam

Um raio no curral matou quatro rezes

Gordas as ovelhas, de banha emboloavam.

 

Restou o sebo das ovelhas lá pra casa

Um lagartixão fez festa, engordou cada vez mais

Quarava o sebo, num giral do nosso lar de taipa

Sebo de carneiro pra muitos males é bom demais.

 

Na pobre casa um tempo faltou alimento

Chorava sem consolo a meninada, era um tormento

Mamãe farofa de sebo teve que improvisar.

 

A pobre mãe só tinha em casa um pouco de farinha

Mistura num caco torra e diz pras criancinhas

Coma quente pra no céu da boca não grudar.

 

 

Metabiótico

 

Seu olhar de mel, me dourou de ouro

Seu sorriso negro vitiligou-me a pele

Dourado, transformado, branco, louro

Lindo te amei, sem timidez, sem vitupério.

 

Nosso trato de amor, foi sinalagmático

Porém tornaste-o egoisticamente leonino

Me transformando num mutante ser apático

Levou meu querer, desfez minha vida, traçou meu destino.

 

Eu que era um anjo de inocência

Nos verdes anos de minha mocidade

Só pra ti vivi. Sou seu capacho, tenho carência.

 

Mesmo sofrendo tanto desatino

Não cometi quase nenhuma atrocidade

Sou de mim mesmo, pedinte e peregrino.

 

 

A primeira bicicleta

 

Trabalhei anos, adentrando pela madrugada

Só para comprar a sonhada bicicleta

Vendia cuscuz no leite de côco mergulhado

Tendo que pagar se “boiar”, o resto.

 

Comprei uma porquinha para engordar

Chegando em casa, eu cansado ela mais ainda

Matei o animal logo a lhe banhar

Foi-se meu cabedal, o suor da minha lida.

 

Persistir, resistir, lutei, fui em frente

Tinha uma gama de amigos para umas voltas

Cada dia crescia mais e mais essa corrente.

 

Enfim, ei-la sem pintura, Paralamas, rodas empenadas

Porém era a atração da pobre Rua Torta

Alegria dos meninos dás vielas sem calçadas.

 

Não tome caldo puro, o Diabo ri

 

Não tome caldo puro, o Diabo ri

- Porque o Diabo ri se eu tomar caldo puro?

É como eu disse e tá bom. Um pio só não quero ouvir

Escute sua mãe e nunca estareis em apuro.

 

Já adulto um dia eu vim a entender

O Diabo ri da pobreza do caldo

Com a mistura a água engrossa e vem enriquecer

Não estará mais fraco mesmo que só com farinha misturado.

 

Quanto mais água mais fraco o principal

E em nossa miserabilidade era o caldo capital

O principal era tão pouco, era acessório.

 

Eu que gostava de farinha somente escaldada

Minha sábia mãe em sua santa cavalgada,

Me fazia comer mesmo sem gostar, e o Diabo não ri.

 

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